Valoração do Compliance
Um passo importante para auxiliar com maior veemência o Programa de Compliance é a elaboração das regras e a explicitação delas, pelos gestores, e que se encontram arregimentadas nas organizações – quando preexistentes - e que devem ser expostas e incorporadas por meio de treinamentos que permitam sua interiorização através da compreensão de sua existência com casos que resgatem a genealogia dessas normas e justifiquem a sua presença.
É importante que a instituição produza o resgaste da sua história e principalmente que traga à tona os caminhos “tortos” que a fizeram chegar a onde está. Uma empresa não é feita apenas de vitórias, mas sim dessas com uma série de dificuldades. Torna muito mais fácil agir com responsabilidade e em conformidade à medida que o sujeito se apropria das aventuras e desventuras envolvidas no posto profissional que está a ocupar, pois os postos profissionais surgem com base na evolução das organizações que conforme os seus desenvolvimentos passam a adquirir competências novas, exigindo novos profissionais.
Cada avanço em uma organização e que progride em direção ao seu aumento de complexidade se dá através de “trancos e barrancos” que implicam escolhas feitas por pessoas, seres humanos. Tratar as organizações como entidades embrenhadas por vidas – humanas – e que fazem escolhas a cada momento, parece ser um dos passos necessários com vistas a gerar responsabilidade e trazer conformidade – compliance – para elas. Esse é um princípio elementar! Certo? Se tratarmos as organizações como algo que não tem relação direta com a bios – vida – humana, não há de fazer sentido o compliance, até porque o compliance só existe para os humanos.
O único ser na natureza que pode estar em conformidade é o ser humano. Estar em conformidade implica em fazer escolhas, e o único que faz escolhas é o homem. A ética é uma condição do homem, escolher é o seu destino. O compliance também! Estar em conformidade é uma condição do homem e, portanto, relacionado com escolhas, ou seja, está associado com uma ética. Esse é o fato que nos permite justificar a tese de que não é possível olharmos para uma organização como se não fosse embrenhada por vidas, e mais, que fazem escolhas a cada instante pelos seus destinos e acabam por implicar o destino da própria organização, uma vez que sabemos que essa depende daquelas.
Um ser só pode agir responsavelmente e eticamente – fazendo escolhas -, e não estamos a falar de submissão às regras - pois uma coisa não significa outra -, quando se apropria das origens do seu cargo, toma consciência da sua posição no todo e passa a saber o impacto das suas ações na vida de outras pessoas. Esse é o primeiro passo, mas o mais fundamental: a consciência do seu lugar no sistema. Saber a onde está faz mais sentido para aquele que não tem sentido do que para aquele que já o tem, até porque para o último o sentido já não é novidade, seus desafios são outros.
A submissão à cultura organizacional não é algo que devemos objetivar mesmo que a cultura de uma dada organização seja “boa”. O sujeito que aceita submissamente não está escolhendo, mas sim seguindo as rotas marítimas que o “barco está”. Entra no que está pronto e segue! Nem percebe para as onde as coisas vão. A realidade é que as vezes as empresas têm de seguir o fluxo contrário do aquele que se encontra, pois o caminho que se encontra pode não ser um dos melhores. Comodidade não significa otimização, principalmente quando se perdeu de vista o percurso trilhado no interior do cômodo. O desejo de qualquer gestor minimamente preocupado com a existência do trabalho no qual está envolvido, diga-se de passagem: para além de três palmos à sua frente., é que o seu trabalho possa ganhar vida e se reproduzir e produzir para além dos três palmos, e não que morra a partir do momento que virou os olhos para o lado. Isso é comum acontecer. Quem não já viu empresa que só funciona quando o gestor está? A vida humana tem a capacidade de gerar autonomia. Por que as empresas que nascem do interior de uma vida humana, não podem também? Estar em conformidade, é de fato “correr pelo certo”, “insistir pelo certo” – ato intencional, consciente e de escolha - como os jovens dizem, e “resistir ao errado quando é errado”.
Alimentar uma cultura da submissão é fazer com que as pessoas sigam simplesmente o que lhe são solicitados e o pior, dentro de uma lógica da maioria, como vemos nos casos de corrupção. Um sistema corrompido, capenga e que se mantém na falha por meio da incorporação dos que chegam e que logo se veem desarmados e sem possibilidade de articulação estratégica para o enfrentamento de uma totalidade que continuamente oferece o pior de que um sistema e uma organização, seja lá de que setor for, possa oferecer, e em troca do “melhor” imediato e que impreterivelmente, pode ter certeza, beneficia mesquinhamente alguns poucos em prejuízo de um maioria que luta diariamente pelo justo e que justo esse é retirado à beneplácito dos que recebem o “melhor”.
O gestor do para além de três palmos adiante, faz uma aposta na vida! Aposta na possibilidade de uma organização que tenha vidas humanas e que fazem escolhas com vistas a cuidar daquilo que é deles, uma vez que o “bastão” da história foi lhe legados. Isso quer dizer a obliteração dos seres que não fazem o bem-agir? Evidentemente que não! Mais pelo menos o ganho será ter pessoas que “correm pelo certo” e “resistem ao errado” independente da direção que o “barco estiver”. Se o gestor não tiver a capacidade de apostar nessa forma de vida potencial existente no interior das organizações e de sua obra, enquanto o “barco” estiver em boas marés, não haverá problema. Na sua ausência a organização se mantém por decorrência da “cultura boa” instalada e que continuamente incorpora os que chegam e simplesmente seguem o que está posto. Ora, mas e quando a perversão ocorrer? Quando os indícios de corrupção se mostrarem? Quem será as pessoas que estarão a postos e atentos para resistir ao errado e correr pelo certo? Mais uma vez, o gestor do para além de três palmos adiante aposta na vida! Pois caso contrário, o barco afunda.
Dr. Alan Ferreira dos Santos é curador de conteúdos e professor de diversos cursos relacionados com Compliance e Ética na PCBSCampus.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Objetiva, 2012.
VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Nova Cultural, 1988.